29/12/2009

E o nono, Nuno?

Foi a primeira vez que privei com alguém vindo do arquipélago da Madeira. Andava na Faculdade, e para aí no terceiro ou quarto ano, se a memória me não atraiçoa, calhou-me numa ou duas cadeiras uma colega que vinha da ilha com o mesmo nome. Rapariga bem-disposta e com réplica sempre pronta, tinha igualmente uma capacidade extraordinária para se integrar numa qualquer equipa recém-formada e para partilhar tarefas e responsabilidades.

Mas o que mais me agradava nela era aquele modo particular de falar, aquele jeito de ditongar algumas vogais acentuadas ou de palatalizar o /l/ em alguns contextos ou, ainda, como nos ensinavam os trabalhos científicos, de vocalizar ou semivocalizar o –s final quando seguido de consoante sonora ou de fricativa surda.

Havia, naquela pronúncia, um certo encantamento, um toque exótico requintado que espontaneamente a trouxe para um grupo de trabalho de que eu fazia parte, eu e mais um colega e uma outra colega. Um bando de quatro, duas e dois, que se deu muito bem e trabalhou com bons resultados.

Já não sei em que altura dos nossos encontros e discussões de ofício se falou de um fruto característico do arquipélago madeirense, desconhecido de todos, menos da colega daí nativa. Convém sublinhar que nesses tempos idos ainda a globalização não era o que é hoje, e os mercados e frutarias não tinham o colorido que agora ostentam – uns cachos de bananas, um ou outro ananás, uns quantos raros maracujás, umas romãs e uns dióspiros e por aqui se ficava o ramalhete com cheiro tropical.

A colega, perante a nossa ignorância, prometeu trazer-nos da sua ilha da Madeira uma meia dúzia de exemplares daquele raro fruto, para que o mirássemos e degustássemos.

Por alturas de Dezembro, a nossa madeirense, que dera um saltinho à casa natal, no Funchal, presenteou-nos com o tal fruto: redondo e não muito volumoso (embora os haja grandes), com casca lisa (embora a haja rugosa), semente preta e uma polpa esbranquiçada e doce. Passou no teste.

Ficámos todos a saber o que eram as tão afamadas anonas e a conhecê-las por dentro. A minha colega madeirense tinha razão em fazer-lhes publicidade, tão longe estavam de nós e do nosso palato. Não sei porquê, mas ainda hoje quando as vejo, as anonas, me lembro da colega; e quando me lembro da colega me vêm à memória as anonas. Como são imprevisíveis os caminhos do desejo!

Ah, e o nono no meio de tudo isto? De um a dez, é só contar. Quase classificação máxima. O Nuno que o confirme, contando…