28/07/2011

RUBOR DE ANJOS

É como com os gostos. Ou se gosta ou não se gosta. Já os latinos aventavam no seu proverbial saber: De gustibus et coloribus non est disputandum. Assim, portanto, com as cores.

A gente resmunga, resmunga, num daltonismo congénito, mas na hora da verdade “ou é verde ou é vermelho”. E não se pense que seria igualmente perentório dizer-se “ou é preto ou é branco”, que isto é chavão do barato, do género nem é carne nem é peixe.

Cores, exigimos cores, mas vivas, de um cromatismo alentado ou sanguíneo, figurismo de bandeira com acendalhas no regicídio. O José Jorge Letria conta a história quase toda. O Stendhal também andou por esta paleta, mas com demasiado psicologismo à mistura a tender para o negro.

Então e cores de flores, vermelhinhas às braçadas para marcar revoluções singulares de entupir baionetas? Proezas seduzidas de emancipação.

Então e cores de frutos, vermelhos todos antes ou depois de sazonarem? Colorações lascivas em apelo papilar, rubor de anjos.

Então e cores de farpelas despidas em galas de recreação? Olhares meneados em femíneos corpos.

Em síntese, é como com os gostos. Deleitosos, porque vermelhos.

12/07/2011

AQUI HÁ GATO

Que são todos pardos, é o que se diz popularmente dos gatos quando vagabundeiam pela noite espessa.

Nunca percebi porque hão-de ser ou parecer pardos, eu que tanta vez trouxe da loja rebuçados e amêndoas de meio tostão aconchegados num cartucho de papel que tinha este nome, papel pardo, e nunca achei que os meus gatos ou quaisquer outros da vadiagem conseguissem esta tonalidade quando a custo os distinguia na escuridão.

Já agora, e para que conste, era neste papel que a minha mãe escorria os bilharacos, as filhós e as rabanadas em raras e diletas ocasiões de festa, e o papel, no fim, quando o atirávamos para a fogueira, ia pardo ainda e luzidio, de um pardo que se continuava vendo, porque a luz o deixava ver, e não porque tivesse o condão de se lobrigar nas trevas. E como ardia!

Bem sei que este mito com gatos à mistura é só para disfarçar, que são outros os seres, o povo não é parvo, e estes é que são pardacentos e esquivos e não deixam rasto dos infortúnios que causam. De noite como de dia. Gente felina que dá mau nome aos gatos que, a qualquer hora, pardos ou às riscas, nunca são cinzentos.

ESTAÇÃO SEGUNDA

O verão produz milagres. Isto porque é verão, e só por isso, porque todas as estações são boas para maravilhar.

A primavera, porque tem a mania de florir tudo quanto desabrocha e faz bem à visão das manhãs rociadas.

O outono, porque tem a constância das folhas tombando do céu à medida que amarelecem na memória das tardes.

O inverno, porque tem o assombro dos cristais imaculados que agasalham a alma quando ela adormece de costas para a vida.

Mas o verão, agora que é verão, faz prodígios. Fá-los porque tem nos dias longos os braços estendidos e o amor na ponta dos dedos. Fá-los porque tem nas noites luzentes as brancas noites do fogo derramando-se pela madrugada dos corpos.

No campo, na montanha ou nos poros da areia escaldante, o verão consente que os corações se desprendam de maduros e inventem a sesta sequiosa. E sob os ramos de sombra lhe diz “deixemo-nos entrar”.

O conto pode começar, assim, entre assomos cavos e falos no limiar da estação segunda.