Foi a primeira vez que privei com alguém vindo do arquipélago da Madeira. Andava na Faculdade, e para aí no terceiro ou quarto ano, se a memória me não atraiçoa, calhou-me numa ou duas cadeiras uma colega que vinha da ilha com o mesmo nome. Rapariga bem-disposta e com réplica sempre pronta, tinha igualmente uma capacidade extraordinária para se integrar numa qualquer equipa recém-formada e para partilhar tarefas e responsabilidades.
Mas o que mais me agradava nela era aquele modo particular de falar, aquele jeito de ditongar algumas vogais acentuadas ou de palatalizar o /l/ em alguns contextos ou, ainda, como nos ensinavam os trabalhos científicos, de vocalizar ou semivocalizar o –s final quando seguido de consoante sonora ou de fricativa surda.
Havia, naquela pronúncia, um certo encantamento, um toque exótico requintado que espontaneamente a trouxe para um grupo de trabalho de que eu fazia parte, eu e mais um colega e uma outra colega. Um bando de quatro, duas e dois, que se deu muito bem e trabalhou com bons resultados.
Já não sei em que altura dos nossos encontros e discussões de ofício se falou de um fruto característico do arquipélago madeirense, desconhecido de todos, menos da colega daí nativa. Convém sublinhar que nesses tempos idos ainda a globalização não era o que é hoje, e os mercados e frutarias não tinham o colorido que agora ostentam – uns cachos de bananas, um ou outro ananás, uns quantos raros maracujás, umas romãs e uns dióspiros e por aqui se ficava o ramalhete com cheiro tropical.
A colega, perante a nossa ignorância, prometeu trazer-nos da sua ilha da Madeira uma meia dúzia de exemplares daquele raro fruto, para que o mirássemos e degustássemos.
Por alturas de Dezembro, a nossa madeirense, que dera um saltinho à casa natal, no Funchal, presenteou-nos com o tal fruto: redondo e não muito volumoso (embora os haja grandes), com casca lisa (embora a haja rugosa), semente preta e uma polpa esbranquiçada e doce. Passou no teste.
Ficámos todos a saber o que eram as tão afamadas anonas e a conhecê-las por dentro. A minha colega madeirense tinha razão em fazer-lhes publicidade, tão longe estavam de nós e do nosso palato. Não sei porquê, mas ainda hoje quando as vejo, as anonas, me lembro da colega; e quando me lembro da colega me vêm à memória as anonas. Como são imprevisíveis os caminhos do desejo!
Ah, e o nono no meio de tudo isto? De um a dez, é só contar. Quase classificação máxima. O Nuno que o confirme, contando…
4 comentários:
A matemática aqui envolvida é cristalina: somando a ilha Terceira com o terceiro ano, temos seis. Juntando as duas colegas (as senhoras têm sempre prioridade), ficamos com oito, e o António é claramente O Nono (para não haver confusões, eu sou O Nuno). Com o tal outro colega do grupo são portanto dez, e subtraídas as anonas fica apenas um, que é o desejo – o desejo é sempre uno, ainda que múltiplo, e acaba por ser a única coisa que sobra quando não sobra mais nada.
E no meio disto tudo, por qualquer razão que de momento me escapa, fiquei com vontade de comer fruta. Chamo a isto um texto eficaz.
Diria antes, a eficácia da fruta, proibida ou não!
A matemática subjacente era bem mais fácil, embora encriptada, mas gostei do exercício!
Abraço
Conto engraçado que mete ilhas e números e falares com ditongos. Cadê o Nono? Sabes dele Souto?
A Nona do Beethoven não é má, e com anonas ainda melhor.Para desejar um 2010 melhor que este já acabado 2009 e fechar da melhor maneira esta primeira década do século XXI.O nono está finito.Bom décimo para todos.
Gostei deste trocadilho final (BOM DÉCIMO para todos, igualmente, melhor que este que ora se finda).
Entretanto, não sei do Nono, não senhor, mas espero que ele saiba de nós, e que se não esqueça! - mas também ainda não entrou na lista, quem o inscreve?
Abraço.
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