16/01/2010

O Nono Corredor

Eram nove corredores. Apenas isso, nove bocas rasgando de breu as paredes rugosas da caverna, nove túneis de mistério, promessa e ameaça. O nono, tinham-me antes avisado, era de todos o mais tenebroso, um horror sem nome que a todo o custo urgia esquivar. Experimentei então o primeiro dos túneis, mas tinha dragões.

O segundo era um caminho aprazível, passagem luminosa e acetinada, mas que em cada curva estreitava, até que me foi por fim impossível prosseguir. Retornei sobre os meus passos, e tentei o terceiro corredor, escura cova de cuja humidade pingavam morcegos viscosos, que se agarravam às minhas roupas com garras pequeninas e invejosas. O quarto túnel era um lamaçal, onde cedo desisti de patinhar.

A quinta passagem foi promessa logo atraiçoada às primeiras curvas, e a sexta desiludiu sem quase chegar a prometer. Enveredei então pelo sétimo túnel, que era longuíssimo. Era também o mais variado de todos os corredores, e tanto atravessava lanços resplandecentes de risonha claridade, como logo mergulhava em extensas léguas de escuridão, a escuridão de um crepúsculo sujo e mal apagado. A cada volta do caminho ia encontrando larguezas que alegravam o coração, para na esquina seguinte me roçar em paredes que se estreitavam, no desejo maldoso de me tolher a passagem. Mas prossegui, e acabei finalmente por avistar a luz, a famosa luz ao fundo do túnel.

Parecia-me familiar, aquela luz, e a suspeita que insidiosa me foi possuindo, enquanto a luz crescia para mim, acabou por se resignar à indesmentível confirmação: a saída do sétimo túnel era simplesmente a entrada do oitavo, e eu estava de novo na caverna. Restava-me o nono.

Hesitei, presa de um receio sem nome, o receio de quem não sabe ainda que coisa recear. O nono túnel, bem me lembrava de mo terem dito, é de todos o mais terrível, um pesadelo mais negro que as piores fantasias que possas até aí ter experimentado. Mas não via que outra coisa podia fazer, em semelhantes circunstâncias, e entrei no nono corredor.

Era o mais bonito de todos, e não houve volta que me não deslumbrasse, nem trecho onde me não detivesse em contemplação. Esquecera já os túneis que passara antes, esquecera o horror e o medo, esquecera tudo menos a expectativa do que traria cada nova curva.

Tudo me voltou de chofre à memória quando dobrei a última esquina do túnel. E com a memória, chegou igualmente a compreensão de que a jornada findara. Os avisos eram verdadeiros, não havia exagero nos augúrios. A verdadeira essência do terror, o bloco de gelo em que a alma por destino último se encolhe, estavam ali, puros e sem disfarce, após a última esquina. O nono túnel terminava numa parede fria, lisa e inamovível.

1 comentário:

Armindo S. disse...

Como é fantástico o reino da fantasia. Levaste-me de volta até à Alegoria da Caverna. E por lá andei em revisitação.
Que tema surgirá por detrás das sombras que se projectam nas paredes dessa terrível cave?