02/02/2009

O Sonho.

Estive quase para pôr aqui não um, mas dois textos que em tempos idos consignei às páginas de um blog já esquecido, umas coisas vagamente poéticas que se enquadravam a matar no tema. Mas depois achei que isso era batota, e pronto, safaram-se dessa. Mas não se safam é deste.

Dormir, sonhar talvez… Por mais que respeite a conhecida frase do bardo imortal, não estou bem seguro de que ele tivesse razão, pois tenho amiúde observado que existem muitas variantes possíveis: pode-se dormir sem sonhar, ou então sonhar acordado, ou mesmo levar a vida toda a dormir, até que um sonho nos venha despertar. Este que me aconteceu pertence sem dúvida a uma dessas categorias, coisa que deixo para já à amável consideração do leitor. Mas vou contar-vos como foi…

Parecia um dia normal, excepção feita, talvez, à morsa de tons violeta que insistia em roncar exasperadamente para mim. Nem estou bem certo que de uma morsa se tratasse, pelo que pude depreender, observando a basta cabeleira, seria talvez um golfinho, mas um que fosse bastante peludo. Um esforço de concentração levou-me a perceber que era afinal a minha chefe, entusiasticamente embalada numa questão profissional que, tanto quanto pude depreender, versava um importante aspecto relativo aos dedos dos pés das amêijoas. Mas posso ter percebido mal.

A ranhura oblonga da minha realidade subjectiva abriu-se com um súbito espirro, deixando entrar meia dose de feijoada de chocos, aos quais me lembrei de chamar um almoço. A parte da tarde acabou por se prolongar até ao dia seguinte, incluindo contudo um oportuno intervalo para ir a casa dormir, infelizmente seguido de uma manhã repleta de frutas tropicais, em que predominavam as bananas. Tentei então voar, mas a varanda onde me encontrava era baixinha, e pareceu-me também um pouco esparvoada, pelo que optei por voltar a ir almoçar.

Não me recordo, depois disso, do momento em que adormeci, nem sei explicar por que razão, em pleno dia, me lembrei de começar a sonhar. Sei apenas que alguém me disse algo que nunca se diz, algo simples e recheado de sentido, de um daqueles sentidos absurdos por serem tão elementares e evidentes. Nesse disparatado momento, fiz eu próprio sentido, e acordei de pé. Percebi então que estava finalmente a sonhar.

Ainda sonho todos os dias. Não me vou pôr aqui a contar os meus sonhos, basta que vos diga que são sonhos bonitos, e que me agrada sonhá-los. É importante sonhar, pois tudo o que nos liberta do irracional quotidiano é importante. Imagino, por vezes – e isto será talvez disparate – mas ponho-me a imaginar se não seria possível passar a vida inteira assim acordado, a sonhar. Por enquanto, limito-me a viver cada sonho, e depois recordo-os com um sorriso saudoso e reservado, enquanto escuto os roncos sem nexo das morsas de cor violeta.

1 comentário:

Armindo S. disse...

Aplaudo sempre esta forma de conto. Contemporânea e inesperada, jamais se esgota.Remete para a criação sem fim.