12/06/2009

A Foto

Para qualquer mortal aquela foto não passava de mais um pôr-do-sol sobre o mar. Poderia ter sido tirada em qualquer parte do mundo, ou simplesmente recortada de uma revista.
No entanto, quando ela a olhava, não via o sol deitar-se docemente sobre o mar, mas o outro lado da câmara. Voltava a sentir o olhar apaixonado daquele ser maravilhoso que se sentava à sua frente no momento em que tirou a fotografia. Recordava aquele dia passado em terras longínquas, cheio de risos, de paixão, de felicidade!
Tinham partido de manhã, num comboio cheio de pessoas que falavam uma língua totalmente desconhecida. Por muito que quisessem passar despercebidos, eram obviamente turistas, com hábitos e uma cultura totalmente diferentes.
Calcorrearam ruas e praças, sentiram os aromas da comida que fumegava em bancas de rua. Foram visitar o monumento mais famoso da cidade; imponente, revelador de uma cidade renascida. Uma autentica Fénix!
Decidiram rumar ao extremo da cidade, já praticamente arredores, para uma refeição num restaurante famoso pelo seu peixe.
Apanharam um táxi, coisa que pareceria normal. Revelou-se a corrida (e foi mesmo uma corrida) de táxi mais louca que podiam imaginar. Pelo caminho deram um encontrão a uma rapariga que passava à beira da estrada, derrubaram uma banca de fruta e fizeram diversas tangentes a outras viaturas, que parecia mesmo que iam ser secantes. Quando finalmente a viatura parou, as pernas tremiam sobre o chão que, embora firma, parecia fugir-lhes debaixo dos pés.
Tomaram a refeição no referido restaurante, numa esplanada sobre a praia, onde os banhistas tinham hábitos muito diferentes dos seus.
Assistiram, então àquele pôr-do-sol maravilhoso, que ficou eternizado pela máquina fotográfica.
De regresso passaram por alfarrabistas, onde compraram um livro de recordação. Embarcaram no comboio e brincaram e riram de forma perfeitamente inadequada para aquelas paragens.
Naqueles dez por quinze centímetros cabiam todas as sensações daquele dia; todos os acontecimentos passados com uma pessoa muito especial, num dia diferente de todos os outros que já vivera.

2 comentários:

Nuno Baptista Coelho disse...

“Para qualquer mortal aquela foto não passava de mais um pôr-do-sol sobre o mar.”

Uma abertura esclarecedora, a convocar desde logo uma reflexão sobre a subjectividade. A foto é banal para toda a gente, e só é importante para o seu sujeito (ou para o sujeito que lá estava quando foi tirada). Não tem portanto qualquer valor objectivo, só subjectivamente é valiosa. Mas se tem valor para um certo sujeito, então é objectivamente importante.

Talvez ilustre melhor este ponto se mencionar a história do homem que apanhava estrelas do mar encalhadas na praia. O areal estava repleto de milhares de estrelas do mar, ali lançadas pela maré, condenadas a secar e definhar ao sol. O homem ia apanhando as que podia, e devolvia-as à água. Alguém que passava quis fazer-lhe ver a inutilidade do seu esforço: “São muitos milhares delas. Mesmo que consiga salvar algumas dezenas, que diferença pode isso fazer?”. O homem levantou outra estrela da areia, lançou-a ao mar, e observou: “Fez diferença para aquela.”

O resto do conto desenvolve brilhantemente a ideia declarada na primeira frase, e sente-se em cada linha a trivialidade da foto, imagem rotineira de rotineiras férias, a um mesmo tempo em que se sente que nada ali é rotineiro, pelo menos para uma pessoa. No fim, vale a pena tentarmos decidir se a foto é ou não importante, enquanto redefinimos a própria ideia de importância. Levar-nos a este ponto é, só por si, um excelente trabalho, e que não está ao alcance de qualquer um. Bravíssimo!

(sim, eu sei que isto é apenas uma leitura de apenas um aspecto do conto. Muito mais haveria para dizer, como por exemplo, as coisas grandiosas e vitais que podem estar por trás de um simples objecto trivial – e que geralmente estão. Foquei mais a questão da importância do subjectivo, porque foi a que primeiro me chamou a atenção. Mas posso ser só eu a racionalizar – é vicio em que tombo amiúde).

Armindo S. disse...

É curiosa a quantidade e a qualidade das observações que o Nuno faz a este conto. E creio que é mais curioso ainda por eu ter passado pelo conto anteriormente e na primeira leitura nem sequer me ter chamado muito a atenção. E agora que alguém VIU e não somente OLHOU, foco melhor sobre A Foto e vejo o que anteriormente não tinha visto. Iluminada pelo Nuno, a foto remete para a dicotomia de objectivo/subjectivo com toda a osmose que esses dois campos podem comportar e envia para o espaço de uma poesia o que o banal de uma fotografia é capaz de conter, elevando um simples olhar ao papel divino, ou um encantado olhar plasmado numa paisagem comum.
Se por um lado, ao carregar num mecanismo muito importante do ser humano e - segundo alguns experts - também do elefante, chamado memória, a imagem registada em papel ou hoje em dia em suportes mais pixelintilantes (perdoem-me o neologismo),remete para o passado. Por outro lado a memória, é um exercício que estimula um dos nossos ícones mais importantes dentro da nossa portugalidade: quero dizer-saudade. O "para mais tarde recordar", por si só, não transforma a foto num poema, nem tampouco o lugar onde o canhão pousou o olhar é um poema de per si. No entanto, a rica imaginação do leitor pode transformar o banal da fotografia no desejo sensual de um poema.
Pelo lado final, a assunção da palavra como suporte do belo, tornará dúplice a poesia e encherá de curiosidade o leitor, por esse rectângulo a enquadrar um sol poente ou até talvez mais que esse singelo e plano rectângulo, direi mesmo que inflará de cobiça pelos
360º associados a esse momento perdido num passado individual. E quereria acrescentar ou duplo, ou colectivo mas não posso, pela simples razão que quer o olhar, quer a memória, são inapelavelmente únicos. E ainda bem que o são.