21/06/2009

Como uma foto

[Escrevo logo existo. Será mesmo assim?... A discussão fica para os filósofos. Depois da tanto silêncio, cá estou para deixar aqui mais um escrito no digital...]


Longe de ti me perco no rosto das coisas sem rosto. E, no entanto, há uma tranquilidade que me absorve, como se envolvida num longo afago que me liga a ti.
Sinto-te perto, apesar de saber que estás a milhas de distância. Sinto os dias passarem, em rotinas feitas de segredos, como se fora agora o tempo da adolescência. Apetece-me saltar, rir, brincar, gargalhar, com a alegria de uma criança que um dia olhou para ti e soube que eras tu o amigo com quem queria brincar. É dessa certeza que mais parece cósmica que emerge a palavra amo-te, repetida até ao infinito, com a força do sentir vulcânico, ininterrupta, segura, absorvente.

Escrever, talvez seja a minha forma de expulsar a birra e de modelar aquilo que me é distante. Procuro agarrar cada momento que me foge e escrevo, na expectativa de que me leias e sintas a ternura que há dentro de mim. Escrevo ainda para expulsar esta saudade granítica que me liga a ti, onde gotas de água escorrem em estalagmites. Escrevo para me sentir, num esforço de quem quer caminhar pela vida em passos suaves e doces, na inocência de simplesmente existir, sem dor, sorrindo às coisas que me lembram de ti.

Da casa do lado ouço os sons dedilhados de um piano límpido, nostálgico e envolvente. Talvez Chopin, em andamentos nocturnos, fazendo-me recordar os tempos em que, do jardim da casa de férias, escutava os sons que vinham da sala, quando ensaiavas novas composições para o concerto anual no Coliseu. Agora na casa nova, longe de ti, todas as manhãs acordo cedo e vou até ao terraço. Ali, sento-me no conforto da paisagem que me lembra os tempos antigos, quando eu era criança e me imaginava correr pelas ruas da aldeia, ora saltitando à beira do meu avô, que se dirigia à horta como quem caminha pelos segredos de um mapa, na senda do tesouro em mistérios guardado, ora chapinhando nas poças de água gelada, nas manhãs de Inverno, a caminho da escola. Ao lado, uma casa velha, em ruínas, lembra-me um álbum de fotografias durante décadas atirado para as águas furtadas de uma casa desabitada. Uma ameixoeira trepa pelo telhado da casa, carregada de ameixas vermelhas. As ervas e as silvas apoderaram-se da casa. Bandos de pássaros vão debicando as ameixas amadurecidas. Se ao menos eu conseguisse apanhar uma ameixa e tomar-lhe o sabor… Ao longe, o horizonte lembra-me de ti. É sempre assim. Há um lugar e um tempo onde estou sempre contigo, caminhando de mão dada, na hora crepuscular. É esta imagem que me persegue e que um dia hei-de buscar, ali, junto ao mar.

1 comentário:

Adriano disse...

Escrever pode bem ser tudo o que desejarmos. Expulsar demónios, dar rédea solta ao amor. O problema é a palavra. Sem ela, resta o silêncio.

Gostei.

Abraço