18/05/2009

Entrevista

- Posso colocar-lhe uma pergunta?
- Pode, sim.
- Quantos anos tem?
Assim de supetão como um soco no estômago, sem tempo para respirar nem sentido do sensato. Não é pergunta que se faça a uma diva numa entrevista à queima-roupa.
- É claro que uma pessoa, sobretudo a uma dama…
(O equilíbrio tentava restabelecer-se após a surpresa, demonstrando uma delicada maneira de estar.)
- …de um certo estrato social. Aliás, uma senhora, quando toda a sua vida se pautou por efeitos que levam a reunir um conjunto de eventos numa sequência toda ela desenvolvida desde tenra infância até idade adulta sem nunca lhe ter sido imputado o menor…
- Mas…
-...é óbvio que sabendo de antemão, ou tendo em sua posse elementos demasiado preciosos, os quais serão o garante de uma estabilidade estrutural acordada entre o tecido familiar e o leque sócio – económico onde se insere e evolui, pode, em ocasiões extremas, anular toda e qualquer veleidade…
- Eu gostaria de…
-…enquanto que , por sua vez, o contexto inapelável de onde provém, pode – efectivamente – conjugar, numa simulação imparcial, as duas vertentes de uma análise…
- Ei, se não se importa…
-…positiva cujo cerne incluirá, caso não incomode, a leitura global e o simulacro experimental de uma tese…
- Deixe-me só…
-…uma vez abordada de modo frontal esta problemática e a tentativa subsequente conseguirá, através da retórica, anular apenas a convicção perturbadora de um animado debate onde evoluem determinadas opiniões sensacionalistas que por maior progresso aparente manifestado não convencem quem delas se aproxima meticulosamente…
- Permita-me o reparo…
-…por confirmar fica, - se entretanto não puder haver prova contrária - a habitual inferência relativamente a casos semelhantes ou cuja aparência pode induzir um tratamento todo ele apontando para tal…
- Será que custa assim tanto…
-…por sua vez, dada a natureza e enquadramento do assunto, levar-nos-á, se conseguirmos não nos atrasar, a poder concluir, sem margem para dúvidas, colocando de parte toda e qualquer hipótese, por mais remota que fosse…
- Desculpe, mas a perante essa sua barreira terei que me retirar.
- Qual era, mesmo, a pergunta?

4 comentários:

Margarida Tomaz disse...

É caso para dizer: uma entrevista de e para surdos... A pergunta é clara. A problemática é que me parece complicada. Terei de ler de novo, noutro dia, para ver se encontro o busílis... Entretanto, senti que há escritores que gostam de enredar o fio à meada, rindo à custa dos seus leitores... Mas o mais divertido, é que terminei a leitura rindo a bom rir, à procura da pergunta...

Margarida Tomaz disse...

E outra coisa: neste blog, há escritores que sofrem de obstipação narrativa e outros há que apanharam o vírus da desinteria da arte de contar...

Adriano disse...

Xiii...não, Margarida, não concordo. Acontece é que cada um de nós segue o seu ritmo. E acho que assim é que deve ser.

Guiomar Fernandes disse...

Ri a bom rir!
Armindo, estás pronto para assumir um qualquer cargo de ministro e enfrentar as perguntas mais incómodas da comunicação social.