02/05/2009

A Verdade do Amor

Desperto com primeiros raios de sol que penetram pelas frinchas da janela de portadas brancas fechadas. Olho o rosto sereno que dorme a meu lado. Está a esboçar um leve sorriso, espelhando o seu estado de alma.
Sim, também eu acordei sorrindo, de facto estamos a passar uns dias maravilhosos. Não há pressas, constrangimentos, preocupações de não chamar a atenção dos outros ou de se ser vista por quem não devia.
Vêm-me, então, à memória os aspectos mais dolorosos da nossa relação, todos os momentos que me fazem não querer estar a seu lado. Como seria tão mais fácil se tivesse escolhido outro tipo de pessoa, com a qual pudesse andar livremente na rua, a quem pudesse dar a mão, ou beijar se me apetecesse.
Volto a olhá-la, a respiração suave revela a paz em que repousa. Porquê esta ligação tão forte? O que nos liga que e me faz enfrentar tudo isto? É este sorriso quase pueril? Essa forma de se entregar como uma criança pequena, que procura consolo no colo da mãe? Ou a alegria que me faz sentir, que despoleta o meu sorriso, o meu riso, como ninguém. Será a forma como me toca, como explora o meu corpo, despertando todos os sentidos, fazendo-me voar para outros mundos?
Mas também me lembro de outros momentos, daqueles em que me sinto a sufocar, em que nada parece ser razão para ficar, para continuar por aquele caminho sinuoso. Somos tão diferentes… Continuo a não entender o que nos une…
Abre os olhos lentamente. Espreguiça-se como uma gata. Olha-me e o seu rosto abre-se num enorme sorriso.
- Bom dia, meu amor. – diz, acariciando-me o rosto.
Como pode dedicar-me assim tanto afecto, uma quase veneração, quando eu sei que chego a ser pérfida quando discutimos?
Beijo-lhe o rosto. Sinto o seu aroma quente. Inebriam-se os sentidos. Um calor invade-me o coração.
Há verdades que não se explicam, constatam-se apenas. Não podemos procurar encontrar razões naquilo que não é racional.
A verdade do amor reside aí, é irracional e absoluto, não se compadece com conveniências ou opções correctas. É, simplesmente, sem escolha, sem razões, com toda a força que existe cá dentro.

4 comentários:

apsarasamadhi disse...

texto apologético do que resta por dizer, combatendo as delimitações de querer abarcar todas as realidades com o verbo. Aplaudo o que fica no entre-dizer, naqueles interlúdios abstrusos onde a razão tem medo de entrar! Aceno luzente à defensora desse penúmbrico reino !

Nuno Baptista Coelho disse...

Muitas voltas se têm dado a muitos temas, por estas bandas. Mas as melhores definições de cada tema vêm habitualmente da Guiomar, que mais uma vez não nos desilude. A verdade é aquilo que é, independentemente daquilo que convinha que fosse. Ainda não me tinha ocorrido uma definição tão simples e brilhante.

E o amor? Bem, o amor é como a verdade, não precisa de razões para ser, e despreza as que o mandam não ser. O amor é. E resta-nos agradecer-te por nos explicares isto tão bem.

Adriano disse...

Gostava de amar e de ainda o dizer assim.

Armindo S. disse...

Fly sweet buterfly - dizia a canção. É curioso, ao ler este teu texto fui viajando para uma das janelas da Maluda debruçada neste Tejo, talvez em Alfama ou quem sabe na Lapa ou Madragoa. E gostaria de lá ficar a esse sol de Primavera contemplando os movimentos coloridos de uma simples borboleta resistindo ao duro fluir dos mais variados ruídos,a toda a sorte de poluições, quem sabe batendo contra as vidraças, lutando contra a brisa ou ventos inesperados. Ser um sorriso solidário à janela.