01/08/2009

Sem Medo

Tenho ultimamente enveredado por umas histórias chatas, deprimentes e monotemáticas, pelas quais talvez devesse apresentar desculpas. Tenho-me igualmente abstido de comentar, e disso peço realmente desculpa a todos. Mas este blog é meu, tanto quanto é vosso. E se um dia perdermos a liberdade de escrever exactamente o que queremos no nosso blog, onde mais a poderemos ter?

Lembro-me como se fosse ontem: a Grande Depressão Americana estava no seu auge, e Franklin Delano Roosevelt gritava ao país, The only thing we have to fear is fear itself. Isto veio naturalmente a deixar uma marca indelével no meu nascimento, trinta anos depois. E através das décadas de amarguras e desapontamentos, coisa a que usualmente se chama estar vivo, sempre acreditei que o FDR tinha bastante razão. Até recentemente.

O medo é uma parte essencial da nossa vida, tal como a ambição, o desejo e o sexo, ou o prazer de regar com imperiais umas amêijoas à Bulhão Pato, sendo esta última menos valorizada numa perspectiva ontológica. Seres humanos que somos, almejamos determinados objectivos, coisa que acaba por ser indistinguível do medo de os não alcançar.

Eu perdi recentemente o medo, e sinto-lhe a falta. Recordo com saudade tempos idos, quando eu queria isto ou aquilo, e me assaltava o medo de ficar aquém, de não ir tão longe quando queria e podia. Agora mudei, e já não quero. Tant mieux, suspeito bem, antes isso que me arriscar a descobrir que também não posso. Em última análise, talvez o FDR estivesse errado.

It just may be that the only thing we have to fear is the lack of fear, and nothing else. Specially, lest we discover there is nothing beyond that, no room for fear or hope.

4 comentários:

apsarasamadhi disse...

O que mais aprecio é o poder da desconstrução, de uma analítica e vivida desconstrução! A início concordamos com a epígrafe de modo natural e espontâneo e, no final,logicamente a refutamos!
Só não acolho a falta de densidade ontológica das ameijoas regadas, pois desde os tempos helénicos que a ambiência propícia dos banquetes conduz à construção de teorias e arquitecturas pensantes, mesmo que sejam babilónicas! EVOÉ às ameijoas com ou sem pato e a quem as evoca!

Rosa Matilde disse...

Talvez se tenha mais medo daquilo que se sabe... coitado do mundo que por fezes deambula estóico. Muitos de nós não sabemos descrever o medo, apenas aquele que pelo medo já passou, de contrário, não compreendemos a falta de alternativas quando se assiste à quietude, de fora, a ver o calhau de Sisífo, invisível.

Guiomar Fernandes disse...

Ainda não sei o que é perder o medo. Portanto, ainda anseio perdê-lo. Logo continuo a concordar com o Sr. Presidente da Grande Depressão.
Ainda assim, a desmontagem da teoria é brilhante!
Parabéns!

Armindo S. disse...

Saravah às ameijoas regadas com birra fresca ainda que haja sempre, a seguir, a necessidade de almejar determinados objectivos.
Podem até ser chatas e deprimentes (não concordando, concedo) mas várias com um sentido de humor sempre bem afinadinho...
Quanto à abstinência de comentar, tal como responder aos temas - não sei se já repararam - ninguém aqui é obrigado, e, para além disso, a culpa não existe.Assim sendo, como poderia aceitar desculpas? Desta lavo já as minhas mãos. E não é porque tenha medo da gripe A.Venha lá a gripe B.Menos nefasta que uma dose de culpa.