14/09/2009

Fuga para a Felicidade

Estava tudo escuro, sentia-me completamente aprisionada, sufocada. A maior das prisões: quando não temos liberdade de olhar, de falar, sequer de pensar. Um dia percebi que poderia ser diferente. Podia fugir, ser livre. Bastava querer.

Enchi-me de coragem, rebentei com as correntes e parti os agrilhões. Corri para a liberdade.

Jurei que não me apanhavam noutra. Dali para o futuro seria totalmente livre, não queria quaisquer amarras. Não é possível ser totalmente livre ao lado de outra pessoa. Mal nos descuidamos, lá vêm as pequenas mentiras para não magoar, não ferir a susceptibilidade de quem está ao nosso lado. Às tantas, as mentiras vão sendo cada vez maiores, só para manter a imagem que a outra pessoa criou. Mas já não somos nós; somos a personagem que mantivemos à custa de pequenas grandes mentiras.

- Quem era ao telefone?

- Era a Ana.

- Mas essa não era aquela que se andava a fazer a ti?! Porque é que lhe atendeste o telefone? Anda outra vez a dar em cima! E tu dás trela.

- Ela só queria saber se lhe posso emprestar um livro, que sabe que eu tenho, para a pesquisa dela para a tese de mestrado.

- Qual livro? Não interessa, era uma desculpa e tu não vês (ou não queres ver). A faculdade não tem biblioteca? É só para falar contigo.

Noutra ocasião:

- Quem era ao telefone?

- Era telemarketing.

Não, não queria isso para mim. Estava certa que nunca poderia ser completamente sincera com alguém com quem partilhasse uma vida, por isso era preferível não partilhar. Ia simplesmente gozar a minha liberdade.

Parti para a vida com a firme determinação de simplesmente a gozar, sem que nada atrapalhasse.

Encontrei uma companheira de fuga. Também ela saída de uma outra caverna. Demos as mãos e decidimos prosseguir lado a lado, dando pistas uma à outra de qual a melhor maneira de gozar a vida em liberdade.

- Está sempre bem contigo própria e irradia essa confiança (elas adoram isso).

De pista em pista, fomos descobrindo que não aguentávamos as mesmas correntes, que tínhamos os mesmos defeitos, que queríamos a mesma liberdade.

Lado a lado, percebemos que ansiávamos o mesmo beijo, a mesma união de corpos, uma comunhão de almas antigas.

Demos novamente as mãos, abraçámos os corações e partimos numa fuga para a felicidade.

4 comentários:

Nuno Baptista Coelho disse...

Godspeed, Guiomar. Godspeed.

Armindo S. disse...

Considerações sobre a liberdade de escolha. Uma afirmação em sol maior!

Margarida Tomaz disse...

Cada vez mais me convenço de que para a felicidade não se foge. Caminha-se para ela de mão dada connosco próprios e é esse caminho árduo, com subidas íngremes, que está o regozijo. O outro, pode apenas ser a melhor ou pior companhia. Tudo depende da minha idiossincrasia. Estarei a ser egoísta? Paciência!

A intemporalidade e universalidade do tema merece que continues com a pena da escrita na mão, seguindo as pegadas da felicidade.

Rosa Matilde disse...

Religiosamente comporto-me como agnóstica, em matéria de liberdade sou uma ateia convicta.
Aqui, a felicidade que se comunga com o outro é uma espécie de liberdade platónica – e isso agrada-nos enquanto pudermos sustentar a ideia. Está-se sempre a fugir do princípio para se atingir um fim, ou, o meio. E qualquer um deles é tão docemente enganador que acabam por nos enternecer.
Um dia descobrimos que, até de nós somos prisioneiros e ao mesmo tempo castradores dos outros: por egoísmo, poder sobre o outro, presos nas nossas crenças, presos nas teorias da conspiração, amarrados às imposições vizinhas e obrigados a pagar impostos com a mesma atitude ancestral, hoje, sob a égide democrática.
Enfim, vou terminar aqui, pois não vos quero prender a deambulações comezinhas.
Obrigada Guiomar por me deixares a pensar…