01/09/2009

Fugir, ou não fugir?

Isto não é um conto. Respeitando o tema pedido, trata-se apenas de algumas (breves) considerações sobre esse fugidio conceito, a Fuga.

Muito foi já dito e escrito sobre fugas. Há volumes de teorias em volta do tema – a chamada literatura de escape –, onde são escalpelizados até ao mais miúdo detalhe os meios e instrumentos, os estratagemas e truques, o momento mais propício e o mais favorável estado do tempo. Sem embargo de tão momentosos pormenores, um requisito há que avulta no topo da lista, talvez a única condição de facto imprescindível: para uma fuga bem sucedida, é necessário começar por estar preso.

Será um truísmo afirmar que ninguém foge de onde não está, mas não é de modo algum uma irrelevância. O convicto agrilhoado reconhece a inconveniência do seu estado, e a desirabilidade de o alterar para melhor. Numa palavra, fugir. Pois bem, tem o aprisionado cidadão ao seu dispor os convencionais meios para atingir esse objectivo: seja por via da colher escavadora ou do cesto destinado à lavandaria, acabará por se ver do lado de fora.

Tomemos agora, verbi gratia, o guarda que tem a seu cargo o convicto. Também ele está mal onde está, também ele reconhece o desejo e conveniência de mudar, mas ele está do lado de fora. Entra amiúde na prisão, é verdade, mas entra e sai quando quer. Os condenados pertencem à prisão, ele apenas a frequenta, e é por isso que não pode fugir, já foi dito que ninguém foge de onde não está. Os prisioneiros têm ainda outra possibilidade que a ele está vedada, que é a opção de não fugir.

Vi isso numa prisão, mole granítica erigida sobre um monte que eu contemplava de baixo, da liberdade da mesa de esplanada onde me esquecia em libações sem fito. Vi os prisioneiros e não me lembrei que estavam presos, ocorreu-me apenas que estavam lá dentro. Eu podia entrar e sair, eles pertenciam-se. E, ao contrário de mim, podiam fugir.

Desistir de tudo leva-nos a não pertencer a nada, e a rejeitar todas as prisões. Depois disso, não há fuga possível.

Tal como alguns funerais dispensam flores, também o presente texto dispensa comentários. Isto não quer de modo algum dizer que eu não aprecie comentários, ou não os deseje. Simplesmente, não me parece que seja um texto comentável, ou que alguém pudesse desejar comentar.

5 comentários:

Armindo S. disse...

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Nuno Baptista Coelho disse...

Contrariando as minhas previsões, havia ainda um comentário possível. E que não me tinha ocorrido...

apsarasamadhi disse...

Respeitando o desejo tanatológico do autor não farei nenhum apreço ao texto, apenas uma confissão: sem flores, prostrada, palmas das mãos para cima, toda vazia.

Nuno Baptista Coelho disse...

sem flores, prostrada, palmas das mãos para cima, toda vazia.

Se foi essa a sensação que o texto te deixou, é um dos melhores comentários que já recebi, e um elogio que muito agradeço. O objectivo da escrita é transmitir o que o autor tem em mente, e eu não pensei ter conseguido, não a um ponto tão exacto. Muito obrigado.

Afinal enganei-me quando escrevi que este texto não era comentável. Enfim, errare humanum est, e eu tenho muito de humano.

Inês disse...

Obrigada!