30/09/2009

Uma poética, quase

Penhasco.
Diz um dicionário, um qualquer tirado à sorte, que o rigor para o caso pouco importa, tratar-se de um grande rochedo escarpado.
E que tem sinónimos como fraga, penedo, penha, rocha e, como atrás se disse, rochedo.
E que, para quem tenha falta de mestria, este vocábulo pode rimar pelo menos com carrasco, chavasco, chiasco, churrasco, damasco, filharasco, frasco, gimnoasco, pardavasco, pinasco, ravasco, rebiasco, tabasco, vasco e verbasco.
E mais, que tem por anagrama penachos.
O que a gente aprende com o cheiro a terra e a aridez da pedra! O que a gente deslinda com o magnetismo da palavra!
Penhasco.
Assim como um morro, quando em criança nos aventurávamos na vertigem do voo, que pouco mais era que uma pequena pirueta calculada a olho.
Em baixo, o chão era quase sempre mole e o corpo quase sempre duro – ou seria o contrário, o corpo quase sempre mimoso e o chão quase sempre calejado?
Do penhasco da infância já pouco subsiste. Vergam-se agora as asas e o horizonte se tolhe, do penhasco aquém.
Além, porém, como no haikai de Anibal Beça, anuncia-se a luz, como quem renasce:
Brilha mais ereto
o penhasco sob o sol:
ah o verão fértil.

5 comentários:

Margarida Tomaz disse...

Um mimo!

Há semanas a carregar essa pesada palavra, ao ler o teu texto, descobri o final para o homem que coloquei a caminho do meu penhasco. Um final que só pode ser dramático, porque ele não soube abrir o dicionário.

António Souto disse...

Margarida,
Enquanto o (teu) homem não chega ao seu destino, porque não reorientá-lo, nem que seja um pouquinho, para nascente, ou trazê-lo de volta ao coração do verbo? Nem todos os fins têm de ser dramáticos...
Venha o texto!
a. souto

Nuno Baptista Coelho disse...

E foi mais um de onde não caiste. Nesta vida pedregosa que por mero acaso calha ser a de todos nós, já não é pouca coisa.

Excelente a elocubração sobre a palavra em si, que me levou a questionar se nós às vezes pensamos bem sobre aquilo que nos propomos endereçar. Ocorreu-me a história do professor que no início de cada ano lectivo escrevia no quadro os algarismos 2 e 3, pedindo depois aos alunos uma resposta.

Uns respondiam 6 (2*3), outros 5 (2+3), 8 (2^3) ou até -1(2-3). todas as respostas ele rejeitava, até que fornecia a chave:

"Não podem saber a resposta, se não sabem qual é a pergunta:"

Penso que é aí que o problema radica. E quando tentamos responder à pergunta errada, acabamos por caír num penhasco.

apsarasamadhi disse...

A dinâmica das palavras a apontar a natureza ambígua do Ser que aí se desVela, sobretudo o final que não é senão um resplandecente começo! Tendo como baixo-contínuo Matsuo Bashô, permite-me o haikai: e tu, como cantarias nessa luz de verão?

(embora num interlúdio de ausência, estendo-te uma luzente felicitação- Bem-vindo sejas! Ou o mesmo será dizer: feliz nascimento, neste parto conjunto do contocontigo!)

Guiomar Fernandes disse...

Ainda há pouco chegaste e já nos está a habituar a um estilo muito próprio e criativo.