09/12/2008

11 – Um Português no Japão

O avião começava a perder altitude, à medida que se aproximava do aeroporto de Tóquio. Estava prestes a aterrar no maior aeroporto do mundo e a ter contacto com uma civilização totalmente diferente daquela que conhecia até então. Nas minhas expectativas estavam uma mescla de toda a tradição oriental (calma, espiritualismo, sabedoria milenar) com a mais avançada sociedade de consumo, gerida por tecnologia de ponta.
Tóquio, que quer dizer “capital do leste”, é uma cidade cuja parte central tem oito milhões de habitantes, quase tanto como a população total de Portugal. Portanto, estava certo que uma coisa me esperava: grandeza.
O avião aterrou às nove e dez da manhã (hora local), exactamente como previsto, após uma viagem de dezasseis horas, que incluiu Lisboa – Londres e Londres – Tóquio. Primeira consequência, era já oito horas mais velho do que seria se estivesse em Lisboa. O que vale é que iria rejuvenescer assim que regressasse (esperava não morrer por lá).
No aeroporto esperava-me um japonês (naturalmente) com um cartaz “Mr. Librorio Mendonza". Mesmo em Portugal era usual escreverem mal o meu nome, por isso não estranhei. Levou-me directamente para o hotel – o Park Hyatt, um dos hotéis mais luxuosos do mundo. Nunca tinha estado num hotel assim, senti-me um rei. Ter-se iam sentido assim os primeiros mercadores portugueses a chegarem ao Japão, em mil quinhentos e quarenta e dois?
Será que iria ter tanto êxito a vender azulejaria tradicional portuguesa como eles tiveram com as armas de fogo?
Estava ali a convite de uma empresa japonesa para lhes apresentar toda a nossa linha de produtos, com vista à sua distribuição no Japão. Estava um pouco nervoso; toda aquela quase majestosidade… Embora já tivesse tido muitos encontros de negócios, nunca tinha sido recebido daquela forma. Sentia quase como se os estivesse a enganar – eu não seria, por certo, um homem de negócios com a importância que eles pensavam. Esse provável equívoco, embora me satisfizesse o ego, dava-me uma horrível responsabilidade e uma quase certeza de que os iria desiludir. Por momentos, entrei em pânico – queria fugir! Como iria enfrentar a vergonha de não ter produtos à altura daquela grandiosidade? Iriam encarar-me como uma fraude!
Não tive muito tempo para continuar a conjecturar sobre a reacção dos japoneses. O telefone tocou. Era a recepcionista avisando-me que me esperavam no lobby do hotel. Desci receoso, pensando se não seria melhor ideia apanhar um táxi de volta para o aeroporto.
Um amável motorista esperava-me para me levar ao restaurante onde os dois representantes da empresa local já me esperavam. Tratava-se de um restaurante tipicamente japonês (ou talvez fosse japonês para estrangeiros, não saberia a diferença), com uma cozinha bastante elaborada.
No decorrer do jantar, apercebi-me como os meus companheiros de refeição apreciavam e valorizavam tudo aquilo que era da sua terra. Num primeiro momento, pensei que era fácil, sendo eles de um dos países mais desenvolvidos do mundo. Reflecti melhor; eles limitavam-se a ter orgulho em ser quem eram e a enfatizarem tudo aquilo que o seu país tinha de bom. Seria assim tão estranho? Porque é que eu não podia simplesmente mostrar orgulho em ser português e dar-lhes a conhecer um produto manufacturado que, na actualidade, não sendo um exclusivo português, é quase. E, se tivermos em conta, as técnicas utilizadas e a história desta arte, é mesmo única. Uma arte que tem a particularidade de revelar a história do seu povo, desde há séculos, através de matérias tão resistentes que pouco se deterioram com o passar dos séculos. É, realmente, impar!
A adesão àquilo que tinha para lhes mostrar foi surpreendente. Tive a sensação de lhes estar a vender armas de fogo no século dezasseis. Foi com este orgulho de ser português, de transmitir essa arte milenar que transmite a nossa história e aquilo que somos, que me tornei no maior exportador de azulejaria tradicional portuguesa para o Japão.

Sem comentários: