22/01/2009

CANNABIS LASCIVA

Agora sou o teu corpo.
E sinto-me elanguescido ao sabor das minhas palavras beijando ao de leve a pele dos teus seios, flores intumescidas. Parto em direcção ao sul eterno, sem saudades nem nada disso. Sinto frio ao mesmo tempo que me aproximo, sílabas tacteando-te o ventre, tatuando-me dos sons que dizes, digo, gemendo desmaiando.
Agora sou o teu corpo.
Arqueio-me e desejo-te como nunca o fizeste comigo, terra minha de onde me parto e onde me venho tão amiúde, tão raramente. Nunca soube o que te transporta e me traz neste momento, a não ser agora, minha terra, que te sinto como te sentes minha pátria, meu centro, quando dentro me entras, teu corpo sendo.
Agora sou o teu corpo.
E sei do langor, do estremecimento, do frio que me teu peso ferve os sentidos, eternizando-os a apagá-los como o vento que não ruge ali na rua onde nada tuge ao ritmo das minhas vontades, tuas coxas fechando-me. Submeto-me, claro.
Sou teu corpo.
Mas essa tua minha pele que agora me sou é tão estranha que chego a perguntar-me por que encanto mergulho assim nela, nele, à única metade da noite.
Sou eu? É ele ou ela? Somos nós?
Sou eu, paixão. Sou tu. És eu, frustração que se espraia pela brisa que lá fora nada mexe ou pela noite que se repete ao sabor de ti adormecida, amor, torrão, saloia pátria! Sou eu!
E quem é que com isto se masturba?
E quem é que com isto, nestes momentos de dilúvio, se importa, se dilacera, se perturba?
Acabo-me em ti, e amo-te.
PS.: Desculpem, volta a não ser um conto... A história que estava a tentar escrever para o tema da semana situava-se em Moçambique, mas acabou por se revelar longa. Lembrei-me então deste. Cá fica, até conseguir dar a volta à dita cuja.

2 comentários:

Guiomar Fernandes disse...

Tão belo, tão sensual, tão AMOR! Fez-me lembrar o poema de Eugénio de Andrade:
Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Mas a intensidade é ainda maior. Não é um conto, é poesia feita prosa! Revela uma cumplicidade que, os afortunados, encontram uma vez na vida.
Lindíssimo, excitante, intenso e comovente. Obrigada por nos brindares com este texto. Parabéns, Adriano!

Armindo S. disse...

Quem dera que eu tivesse assim vivido, Adriano.
Quem dera que eu tivesse escrito primeiro e com essas palavras, Guiomar. Infortunadamente não as encontrei e admiro a tua rapidez. Eu sonhei que tinha andado atrás delas, infelizmente foi apenas um sonho acordado. Como eu gostaria de vos dar os parabéns. É tão feia a inveja redobrada.