20/01/2009

“D. Rosa, a sua filha chegou do Brasil”

Lembro-me muitas vezes do filme “O Pátio das Cantigas”, especialmente da célebre cena em que a filha de D. Rosa, emigrante no Brasil, regressa a Portugal. Das personagens que fazem parte da acção da película, contam-se dois vizinhos de D. Rosa que se apressam a enviar a esta, uma mensagem, informando-a do regresso da sua filha. Um dos vizinhos utilizou a técnica tradicional do pombo-correio, o outro, enviou a mensagem via rádio.
As duas mensagens chegaram ao Mercado da Ribeira ao mesmo tempo e ambas diziam a mesma coisa: “D. Rosa, a sua filha chegou do Brasil.” D. Rosa recebeu-as com boa qualidade de recepção, nenhuma delas deixava quaisquer dúvidas quanto à sua compreensão. A reacção da senhora foi a de um sentimento imediato de felicidade. E digo “de imediato”, porque D. Rosa reagiu logo após ter lido uma mensagem e ouvido a outra, ambas numa linguagem objectiva e concreta, ou seja, a senhora não perdeu tempo a descodificá-las, já que estas se apresentavam correctas. Claras, portanto.

Desde A. G. Bell, o mundo já conheceu vários meios de comunicação e entre todos eles, hoje o telemóvel é o nosso companheiro de todas as horas.
Actualmente, a comunicação parece estar alterada. Mas apesar desta afirmação, não pretendo aqui expor nenhum raciocínio defendendo as (des) qualidades de bem comunicar através de meios mais ou menos sofisticados, digamos que a comunicação está diferente. No entanto, esta talvez careça de algum sentido crítico em determinadas ocasiões, senão vejamos:

Confesso que a minha sensibilidade tem sido perturbada quando me enviam mensagens escritas para o meu telemóvel do tipo, “oi tas boa k tal kombinarmos komermos alguma koisa hoje a note e kerendo e apetessendo paçamos num sinema kuando kiseres diz kk koisa beijokas”. São mensagens como estas que beliscam a minha alma... que tamanha moda cretina!
Sinto-me coagida a responder, ainda que receei que estas mensagens sejam uma provocação (?): “Olá, desculpa estar a responder três dias depois, mas foi o tempo que levei a compreender a tua mensagem. Para além de escreveres com erros ortográficos, diz-me uma coisa: desde quando é que a letra Kapa faz parte do nosso alfabeto? O jantar parece-me bem, pode ser que aprenda alguma coisa. Até logo.” Passados uns cinco minutos recebo a resposta: “es muita maluka e 1 nova linguagem pra este tipo de komonicação dpois encinote keres?”.

Eu até poderia sorrir com tal versatilidade linguística se isto não me parecesse tão triste. Quando o caso se apresenta com tais incongruências gramaticais, não poderei sentir o contrário de desolação. Parece-me ofensivo que tal linguagem tenha tido o conluio de um elevado número de utilizadores, cuja emissão e recepção deste tipo de linguagem seja aceite com bastante facilidade. As actuais mensagens desrespeitam as regras básicas do português: palavras mal escritas, má construção e formação das ideias e frases, ausência de acentos ortográficos, incorrecta pontuação, supressão frequente de sinais, etc., etc. Tudo em conjunto, convenhamos que por vezes pode ser um autêntico quebra-cabeças.

É isto, chegou finalmente a contaminação declarada à língua portuguesa, a tal ponto que a expõe ao ridículo gratuito. E por mais que me esforce, não consigo deixar de constatar que, apesar da evolução dos meios técnicos, nem por isso se comunica melhor… bem pelo “kontrario”!

2 comentários:

Armindo S. disse...

É com o máximo prazer que dou a este espaço a possibilidade de esperar a cada novo tema a escrita desenvolta da Rosa Lopes.
Com este texto clarividente abre a sua colaboração que esperamos seja duradoura.

Guiomar Fernandes disse...

Bem vinda a bordo, Rosa. Esperamos mais contos que, pela primeira amostra, se adivinham cheios de criatividade e muito bem escritos.